A liberdade de ser feminina

Por Priscila Lima de Charbonnières


Mulheres de todo o mundo vivem, há milênios, uma espécie de sono profundo. Reprimem a essência da força de suas ancestrais mais antigas. Esse conflito parece nunca ter sido exposto de maneira tão evidente como nos dias de hoje na sociedade em que vivemos. Aprisionadas em condicionamentos impressos pelo modelo de sociedade patriarcal, inúmeras mulheres "sobrevivem" sem exercer o poder que as tornaria despertas para uma vida autêntica, de acordo com sua essência livre e sensorial.

"Liberdade signi ca a capacidade de dizer sim quando é preciso dizer sim, de dizer não quando é preciso dizer não e de car calado às vezes, quando nada é necessário ficar em silêncio, não dizer nada. Quando se pode dispor de todas essas dimensões possi?veis, existe liberdade". Osho

A liberdade, em sua primeira e segunda dimensão, é fi?sica e psicológica. A terceira dimensão da liberdade é espiritual. Vem através da meditação, quando se percebe que não somos o corpo, não somos a mente, que somos consciência pura. Essa percepção é sensorial e é a ela que pretendo conduzi-la. A viagem ao despertar capaz de recon gurar nossas vidas requer, antes de mais nada, um olhar ao modo de vida de culturas antigas. Esse direcionamento de atenção nos leva à essência de divindade - atributo que de ne a qualidade feminina no seu grau mais elevado. Filoso as milenares podem abrir janelas de consciência.

O Tantra, por exemplo, é uma tradição matriarcal, sensorial e desrepressora passada de boca a ouvido (param-pará). Essa era a loso a de vida de um povo denominado drávida, que viveu no peri?odo pré-clássico, no norte da I?ndia, região conhecida como Vale do Indo, há mais de 5.000 anos. Seus registros tornaram-se escrituras secretas do hindui?smo e foram passadas, na medida do possi?vel, de geração para geração, de boca a ouvido.

Estudos antropológicos apontam que naquela sociedade drávida, uma das muitas matriarcais que existiram, houve uma ruptura, quando a I?ndia foi ocupada pelos arianos. A partir desse momento as escrituras foram proibidas. Afinal, a filosofia tântrica é sensorial, matriarcal e desrepressora. Contrário aos arianos invasores, os drávidas eram um povo que vivia em função da agricultura, não-guerreiro, assim como outros povos em outras regiões da Europa antiga.

Para os drávidas, povo sensorial, a mulher era considerada uma divindade, divindade, principalmente pela sua capacidade de dar à luz, de extrema sensibilidade e intuição aguçada. A mulher era sensorial e, naturalmente, valorizava seu próprio corpo. Uma coração naturalista, pois o corpo era visto como fundamental ao princípio da existência. Essa sempre foi e sempre será a natureza da mulher, pois os hormo?nios femininos estrogênio e ocitocina são responsáveis pelos sentimentos de conexão e de amor. Ao contrário das mulheres, nos homens os hormo?nios testosterona e vasopressina, quando associados, desencadeiam o estado de agressividade.

Assim como a cultura dos arianos invasores, a cultura que recebemos de nossos ancestrais mais recentes cultua a guerra, é patriarcal e repressora. Os homens não podiam se render à sensorialidade feminina, pois caso contrário jamais sairiam para guerras e sim se entregariam aos sentimentos de conexão e amor.

Na maioria das sociedades matriarcais primitivas, havia o culto à fertilidade da mulher. Essa representação simbólica era expressa nas artes, na religião e nas lendas desses povos. Houveram sociedades matriarcais em vários locais do mundo, em especial ásia, áfrica, I?ndia, Oceania e alguns locais da América. Se a fertilidade era considerada divina, a sexualidade também era, e exercida principalmente pela mulher.

A vivência sexual era algo que conduzia a uma experiência divina, um ato sublime. Não havia a conotação religiosa repressora que aceita apenas a procriação, muito menos a banalização e a ausência de amor próprio que leva mulheres e homens apenas a prazeres momentâneos.

Desde o peri?odo Paleoli?tico, 10.000 anos antes de Cristo, as sociedades eram predominadas pelo matriarcalismo: a vida era conduzida pelas mulheres, mas não do jeito que vemos os homens conduzirem hoje em dia. Elas não se preocupavam em exercer o poder, pois não o conheciam como o conhecemos hoje. O conceito de riqueza não era conhecido e não havia proprietários de terras.

Os homens viviam em deslocamentos para a caça, principal forma de subsistência, enquanto as mulheres se dedicavam a outras diversas funções. A terra era usufrui?da, bem como tudo o que havia na natureza. Como relatou a pesquisadora Evelyn Reed, o sentido da vida era a vivência coletiva. No ini?cio do peri?odo Neoli?tico, 9.000 anos antes de Cristo, grandes alterações climáticas tornaram o homem mais sedentário e os grupos deixaram de caçar para se dedicar ao pastoreio. Com isso, passaram a fixar moradia e criou-se o conceito de propriedade e poder.

Surgiu então o patriarcalismo, que seguiu ?varrendo? o globo, abafou a loso a tântrica e outras culturas e prevalece até a atualidade. As mulheres passaram a ser reprimidas. Os homens, longe de tentações, podiam se manter focados nas guerras. Para sair à luta, o homem guerreiro não podia estar profundamente envolvido em sentimentos. Precisava ser frio, destemido e determinado. A convivência com as mulheres, sexo e prazeres passou a ser proibida, para não "amolecer" os corações masculinos. Posteriormente, no ocidente surge a Igreja e impõe suas regras próprias, com o intuito de manter a população e a sociedade sob controle.

A con ssão foi uma das grandes ferramentas adotada pela Igreja Católica para controlar o que as pessoas faziam ou deixavam de fazer. Herdamos a cultura de vigilância sobre os nossos atos, de culpa e castração. Essa herança está enraizada em nosso subconsciente: servir aos interesses alheios praticamente sem condições intelectuais ou emocionais de optar.

Trazemos em nosso DNA resqui?cios cristalizados da repressão. Mesmo que nossa mente consciente opte por nos libertar, isso é difi?cil, pois temos regras internas e crenças limitadoras. Com isso, o poder feminino, o poder divino da sensorialidade, têm estado adormecidos por séculos e milênios.

Atualmente, após movimentos feministas, invenção de métodos anticoncepcionais e eventos libertários como o Woodstock, mulheres trabalham fora, lutam para atingir cargos que antes eram apenas destinados aos homens, engajam-se contra a violência doméstica e defendem a liberdade sexual. Mas as mulheres estão agindo como os homens. Lutam ?por isso e por aquilo? e se esquecem do seu próprio poder: sensorial e não guerreiro. Ao lutar, distanciam-se de suas maiores qualidades e tentam ser o que não são, acreditando que assim atingirão a sensação de liberdade. Mas dessa forma deixam de uir com a vida, de se valorizar, e deixam de perceber quão divinas e livres são. Mulheres sempre foram e sempre serão diferentes dos homens.

O poder feminino está em sermos femininas e não masculinas. O feminino é, naturalmente, receptor. Com muita propriedade, a Cabala, filolosofia judaica que interpreta o universo da criação e seus mistérios com base em significados ocultos, nos ensina que quando estamos abertos a receber nos tornamos um recipiente vazio, para transmutarmos a luz ou a própria divindade que em essência somos. Isso é feminino, Yin, sensorial.

O método Ho'oponopono, utilizado no Hawai? pelo dr. Hew Len para curar criminosos com patologias mentais através do esvaziamento de suas próprias memórias, também ensina que, ao esvaziarmos a mente subconsciente, consciente e superconsciente, recebemos inspirações divinas.

Yoga e meditação também nos levam ao estado de não-mente. O vazio nos torna capazes de observarmos com clareza, de atingir a hiperconsciência, samadhi ou iluminação. Esse estado receptivo é absolutamente sensorial e obrigatoriamente não repressor. é tântrico.

É livre. é a pura consciência da existência.

Quando as mulheres se assumem tão tântricas quanto são por natureza, surge a receptividade para as inspirações divinas, o verdadeiro poder feminino enquanto divindades encarnadas. Tão divinas quanto a própria Existência.

Observem o milagre que é gerar um novo ser humano em seu ventre, alimentá-lo, ensiná-lo, aconselhá-lo, formá-lo um adulto, um cidadão do mundo e, assim, contribuir para a evolução da espécie humana. Isso é divino.

Quando nos conectamos com essa divindade que habita em nosso i?ntimo, surge a certeza de que podemos executar com maestria qualquer outra tarefa. Tudo se torna simples perante tão grande missão que as mulheres têm para com o desenvolvimento da humanidade. Quando a mulher está ciente de seu poder pessoal não há na Terra uma só tarefa que não possa executar. Com a consciência do poder feminino de cocriar com a existência, a chama interna se acende e nos torna capazes de qualquer que seja nossa missão. Improvisar, intuir, executar, aprender, ensinar em qualquer área de atuação.

Atuemos com liberdade e segurança em qualquer cargo que outrora foi destinado apenas aos homens, como mulheres livres e sensoriais que somos em essência.

Mulheres que se masculinizam para assumir determinados cargos distanciam-se de outros aspectos importantes de suas vidas e não se sentem plenas. Estão sempre lutando por algo inatingido e estão cada vez mais distantes de suas essências.

No atual contexto, é necessário que as mulheres assumam diversos cargos, na sociedade, na liderança da economia, nas instituições, mas antes disso é necessário que se assumam como seres singulares tão capazes quanto os homens em alguns aspectos, mais capazes em outros e menos capazes em alguns. Mais cedo ou mais tarde, a mulher sente os chamados da vida para perceber a importância de se conectar com sua sensorialidade, com seus instintos matriarcais, e para se libertar de condicionamentos e crenças repressoras que estão cristalizadas no subconsciente.

Chega um momento em que a alma pede que se entreguem aos prazeres, se valorizem e desfrutem a vida. São processos libertadores que ocorrem mais frequentemente próximo aos 28 e aos 56 anos. Quando a mulher redescobre esse poder, surge a chama interna, a intuição, a sabedoria e a liberdade. Conexões que tornam a existência sagrada.

É necessário voltar a assumir a sensualidade como parte complementar e não contrária à espiritualidade. Quando o con ito deixa de existir, a mulher assume seu verdadeiro papel na fami?lia, na sociedade e na existência.

Quando entra em contato com a consciência, com a essência sensorial e espiritual, surge a mulher de força.

Cada caminho é único e é atingido quando há auto-observação e exible mind set.

Pergunte-se se tem sido profundamente honesta consigo mesma. Medite sobre isso e, após um longo e prazeroso processo (sim, se não for prazeroso não é tântrico), virá o despertar.

Mulheres livres de fardos do passado e do futuro vivem plena e sensorialmente o momento presente e experimentam intimamente o sentimento de conexão com a liberdade da alma. Despertam corpo, mente, sentidos; entram em flow.

E assim caminha a humanidade...